Uma morena bronzeada andava pela rua, chamando a atenção por onde quer que passasse. Seu corpo era literalmente escultural – era uma escultura viva, esculpida diariamente com musculação, semanalmente com drenagem linfática e ocasionalmente com uma cirurgiazinha, só para não perder o costume. Já tinha silicone nos seios, seu nariz era plastificado, suas rugas magicamente desapareciam depois de sessões de botox, as lipos eram anuais. Seus cabelos, de um preto tão luzidio que provocaria inveja em Iracema, ficavam lisos depois das tantas escovas (progressiva, de chocolate, de chocolate branco, de morango, egípcia, marroquina...) que fazia quinzena ou mensalmente. As unhas, enormes, pintadas com um esmalte vermelho brilhante e decoradas com minúsculas florezinhas brancas, também eram siliconadas. Havia tentado usar lentes de contato coloridas, mas percebeu que ficaria altamente estranho; por isso – e apenas por isso –, deixava seus olhos castanhos sem nenhum retoque de artificialidade. Suas roupas, quase um uniforme, consistiam em uma legging de ginástica com estampas animais, um top frente única da academia onde malhava, meias de ginástica até o joelho e tênis de caminhada, da marca mais cara que você puder imaginar.
Tinha dois filhos adolescentes, criados meio no abandono. Seu marido, um cara gordo e rico que talvez, visualmente, não merecesse a mulher que tinha, exibia-a como um troféu para os amigos. “Cara, tua mulher é muito gostosa!”, eles repetiam quase como num mantra, numa esperança vaga de que suas mulheres se transformassem repentinamente naquela beldade. E era simplesmente isso: gostosa. Nem chegava a ser bonita. Não. Era gostosa, e carregava esse título como uma medalha sobre o peito (ou seria sobre a bunda rebolativa?). Odiava estudar qualquer coisa que fosse e só havia entrado na faculdade para encontrar um marido. Sua diversão era: ir à praia, malhar, ver novela. Seu sonho, no momento, era comprar mais uma Louis Vuitton.
Não podia dizer se era realizada pessoalmente ou não: elucubrações profundas não eram com ela. Ela só queria manter aquele corpão escultural e ostentar o título de gostosa. Pra quê? Talvez para lembrar ao marido rico que, se ele não quisesse aquela deusa, outros caras com certeza queriam.
Se por acaso a Gostosa lesse um pouquinho, talvez tivesse a sorte de pegar um livro, ou uma crônica mesmo, da Martha Medeiros. E ela poderia ler o seguinte parágrafo: “Não há nada de errado em lipoaspirar culotes e encomendar seios novos na cínica da esquina, mas que não se faça isso apenas por impulso do erotismo. Mulher não é boneca inflável, não foi feita só pro sexo. Vai parecer insanidade, e talvez seja, mas acho que ser elegante vale mais do que ser gostosa: todas temos no próprio corpo algo que é clássico e é nosso. É só valorizar e lançar como tendência para o próximo verão” (Martha Medeiros, Montanha Russa, p. 14. Crônica “A beleza que não se repara”).
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