domingo, 2 de setembro de 2012

Além do indispensável


Quando entro, quase não consigo cumprimentar os presentes. Geralmente, estou mais preocupada em jogar minha mochila em qualquer lugar e encontrar um pequeno espaço para ficar pela próxima hora. Só depois disso que olho ao redor para ver quem se encontra. Hoje, Marcinha, Lana, a gorda da enfermagem e um moreno que já vi por aqui antes; conduzindo tudo, Tim. É claro que tem muito mais gente, mas esses são os rostos conhecidos.
            Não sei o nome verdadeiro do Tim. Ele ganhou o apelido por se parecer – mas só de longe – com o Tim Maia. Como o ser humano sempre se atrai pelo horrendo de uma forma quase mística e hipnótica, não conseguia tirar os olhos do seu rosto bexiguento. Parecia que tinha sido deformado por um enxame de abelhas. Seus olhos quase somem por trás das sobrancelhas, inchadas como todo o resto. Sua boca até seria um ponto de normalidade naquela catástrofe, se não fosse sombreada por um bigode que não diz a que veio.
            Apesar da cara assustadora, Tim parece ser bom. Meio sacana, mas bom. É justamente o que Paulinha está dizendo quando tiro, por alguns segundos, os fones de ouvido. Marcinha por sua vez, é bem mais atraente que Tim, apesar de não ser propriamente bonita. Deve ter uns 40 anos. Morena clara, cabelos pretos encharcados de creme para pentear, sempre tilintando as numerosas bijuterias descombinando entre si. Tinha o olhar da Brigitte Bardot, mas não sabia disso. Provavelmente, só eu sabia. As outras pessoas dali não pareciam o tipo de gente que sabia quem tinha sido a musa francesa.
            Quanto aos outros, Lana tinha um formato roliço e cara de safada. Ia sempre de bermuda, para mostrar a tatuagem mal feita na panturrilha. A gorda da enfermagem me lembra aquela personagem de Clarice que mata a amiga com um garfo – a gordura sendo mais marcante que o nome em si, já que não lembrava como nenhuma das duas se chamava. O moreno era novo ali, e não tinha nada de especial, além de se parecer com aquele rapper/ator, o LL Cool J.
            Tem gente faltando aqui, mas nunca dá pra encontrar todo mundo junto. Andreia, quarenta e poucos anos, jeans e blusa decotada de helanca, cabelos arruivados, longos e cacheados, piercing no dente (sim! No dente!), uma verruga no meio do nariz. Vascaína. Da Baiana não sei dizer muita coisa. Tem ainda uma velhinha com cara de tartaruga. Ouvi “Ai se eu te pego” pela primeira vez da boca do Branco, um rapaz novo de olhos claros e orelhas de duende. Mirela sumiu. Acho que dava em cima do João, e, depois que o marido descobriu e bateu nela, nunca mais a vi.
            O lanche geralmente ficava por conta da Edna, de voz estridentemente insuportável, mãe do pequeno desvairado Kevin. Hoje, apesar de Edna não ter vindo, tem lanchinho do mesmo jeito: pão de queijo, coca cola e um sanduíche de maionese, acho que foi Lana quem trouxe. Lembro que fiquei meio assustada na primeira vez que vi todo mundo comendo naquele lugar lotado, às 7 da manhã. Mais assustada ainda quando Edna, sem querer, meteu bolo de fubá no meu cabelo e, logo em seguida, foi servir um café extremamente quente para alguém que estava atrás de mim. Agora, depois de inúmeros lanches coletivos e até mini festas de aniversário, já tinha me acostumado.
            Tentava ouvir as conversas, mesmo com os fones de ouvido. Nunca era nada profundo. Geralmente, alguma coisa sobre as obras que estavam sendo feitas, sobre a novela, algum bordão da “Zorra Total” soltado aqui e ali. Zoações internas também eram frequentes. Desde que todos falassem o tempo todo, valia qualquer coisa, qualquer assunto. Raramente eu falava alguma coisa, só sorria às vezes. Ou, se falava, raramente era com Tim, João, Fernando, Alípio e todos os outros que comandavam o lugar. Ao contrário dos meus colegas de viagem, tentava respeitar minimamente a pequena placa localizada acima de Tim e falava ao motorista somente o indispensável.