quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Clockwork Orange - Laranja Mecânica

Atenção: texto bem longo, com spoilers de “Laranja Mecânica”! Mas o filme é bom, mesmo já sabendo o que vai acontecer...


Há um tempo queria ver “Laranja Mecânica”, adaptação cinematográfica de Stanley Kubrick para a obra literária de Anthony Burgess. Mas, como esse filme nunca passava na rede Telecine ou, menos ainda, na TV aberta, nunca conseguia ver. Perto da minha casa só tem locadoras que alugam lançamentos e o computador do meu pai, o único aqui em casa com internet, é estupidamente lento para baixar uma música; eu não quero nem pensar nas drásticas consequências que sofreria ao baixar um filme... Fiquei com mais vontade de ver quando a professora Valéria levou um amigo seu, o professor Amaury dos Santos Neto, especialista em Burgess, para falar sobre “Laranja Mecânica” na aula de Literatura e Interfaces. Eu até ia ver esse filme na casa da Bella (estávamos pensando em fazer uma espécie de “Sessão Kubrick” por semana; já vimos “Dr. Strangelove” e começamos a ver “2001 – uma odisséia no espaço”), mas acabei não aguentando. O tédio foi mais forte que eu nesse feriado e decidi catar o filme no YouTube mesmo. Vi dublado (não achei legendado), desconfortavelmente instalada na frente de um lento computador que travou umas... ahn... 10 vezes no mínimo – e isso não é uma hipérbole! Enfim. Vamos à história.

Alex (acho que o sobrenome dele é Burgess – sim, o sobrenome do autor do livro também é Burgess) é um jovem de 14 anos, apesar de o Malcolm McDowell ter muito mais que isso quando o interpreta, que mata, rouba e estupra com seus amiguinhos – os “droogs”. É bem difícil de acreditar que ele é tão jovem primeiramente pelos seus crimes hediondos; em segundo, porque ele usa um vocabulário bem culto, apesar de ser estranhamente misturado com palavras de outras línguas. Bem, parando para analisar, também incorporamos palavras estrangeiras à nossa língua, desde lanche até abajur. Enfim. O estranho é que só ele e seus “droogs” usam esse vocabulário. Alex e seus amigos (olha, dá nome de desenho animado do Discovery Kids!) se vestem de uma forma bem incomum, com chapéus coco, macacões brancos e com uma espécie de cueca por cima da calça. Além disso, Alex usa cílios postiços num olho só.

O filme se passa numa sociedade distópica futurista. Aí você me pergunta: sociedade dis-o-quê? Uma sociedade utópica é uma sociedade que não existe, onde tudo é perfeito e onde todos vivem felizes. E porque ela é inviável? Porque cada um tem uma noção diferente de perfeição. A sociedade distópica é a utopia posta em prática: ou seja, ela vira uma ditadura. As três obras distópicas mais importantes são “1984”, de George Orwell (sim, você já ouviu falar dele! No primeiro vídeo do Gaiola das Cabeçudas, a primeira pergunta que satiriza o “Créu” é “Quem escreveu o livro “1984”? George Orwell/ George Orwell / George Orwell / George Orwell”); “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley (você também já deve ter ouvido falar dessa obra: o primeiro CD da Pitty e a música homônima, “Admirável Chip Novo”, são inspirados nesse livro); e “Laranja Mecânica”. O engraçado é que é um futurista meio retrô: como esse filme é de 1971, o futurismo de Kubrick é quase uma coisa Jetsons, com toques típicos da década de 60/70 – desde a decoração da casa de Alex até o fato de que ele escuta Beethoven em fitas cassete.

Depois de matar acidentalmente uma mulher, que espancou ferozmente, Alex é preso e, posteriormente, mandado pra uma espécie de... como vou explicar?... acho que seria uma espécie de “reabilitação mental”. Ele é submetido a ver cenas de violência extrema, enquanto suas pálpebras estão presas por grampos. Alex até gostaria de ver aquelas cenas, mas os médicos lhe deram um remédio que faz com que ele passe muito mal. Ele acaba então relacionando o enjoo forte com cenas de violência e sexo – ou seja, mesmo quando ele quer bater, roubar ou estuprar, começa a passar mal e não consegue. Depois de ser “comprovado” que ele realmente não conseguiria praticar mais atos de violência, Alex é liberado e volta à sociedade. No entanto, ele acaba se encontrando com pessoas que agredira de alguma forma e essas pessoas, obviamente irritadas com ele, o atacam de diversas formas.

E essa contextualização toda foi para chegar aqui: creio que a maior questão do filme é se é certo “desumanizar” alguém para que essa pessoa se ajuste aos padrões sociais. Em outras palavras: fazer esse tipo de lavagem cerebral numa pessoa e tirar todo o livre arbítrio dela, transformá-la numa pessoa boa por obrigação e não por vontade própria, para que ela possa conviver em sociedade sem ferir a mesma. Será que isso é “certo”? Eu tinha uma opinião até ver esse filme, depois mudei. Não acho que devamos aqui chegar a uma resposta definitiva; abrir espaço para a discussão é mais importante, na minha opinião, do que concluir com um ponto de vista.

Bem, outro ponto, que eu acho que é meio deixado de lado quando se estuda “Laranja Mecânica”, é a questão da “segunda chance”. OK, o Alex não se regenerou de verdade; mas imaginemos que tivesse. Além do espectador, ninguém sabia que ele ainda tinha aqueles pensamentos horrendos. No entanto, seus antigos “droogs” – que agora viraram policiais –, os seus pais (sou só eu que acho que o pai do Alex tem um quê de George McFly?), o velhinho bêbado que tinha espancado no início do filme e o escritor que tinha tido sua casa invadida pelo bando de Alex, nenhum deles perdoou Alex. Todos se vingaram de alguma forma, seja por violência física, seja por violência psíquica – às vezes, mais cruel que a física. E aí eu pergunto: se ele tivesse se regenerado, não ia ficar muito p. da vida e não ia querer voltar a violentar as pessoas?

Talvez quem não viu o filme não esteja entendendo como eu possa estar talvez defendendo um criminoso desses (mesmo que ficcional). Bem, não estou defendendo. Mas creio que ninguém nasce mau e que ninguém é 100% mau. Maldades são, do ponto de vista de boa parte da sociedade, coisas erradas. Maldades são erros. E quem não erra? Tudo bem, Alex extrapola. Alex gosta da violência. Alex tem probleminha. Mas o que eu queria parar para refletir é: e quem erra uma vez e é julgado e martirizado por um erro que cometeu e já se arrependeu há muito tempo? Não falo necessariamente de criminosos não. Erros comuns, mas que machucam do mesmo jeito. Precisa martirizar tanto o outro? Precisa martirizar tanto a si mesmo? Eu consigo imaginar que o trauma sofrido por cada uma das vítimas do Alex é grande. Mas bater nele, afogá-lo, torturá-lo... Não seria melhor tentar oferecer a paz a ele? Apesar do mal, faz o bem.

Desculpe se pareço defender o Alex, realmente não é minha intenção. Ou melhor, posso estar defendendo seus direitos, mas não justifico, nem concordo com, nem defendo suas maldades. Pelo contrário. Mas quem viu o filme sabe: Kubrick faz com que você fique com pena do rapaz, mesmo sabendo de todas as barbaridades cometidas por ele. Antes de me criticar, então, veja o filme =D

Então é isso. Por hoje é só pessoal (e começa a tocar a musiquinha do Looney Toones).

4 comentários:

  1. Nunca soube do que se tratava esse filme (até agora), mas sempre tive vontade de ver. Só não entendi uma coisa: por que o título "Laranja Mecânica"?

    Se vc for analisar, o tema é dos mais antigos... pagar o mal com o bem. O cara sofre A lavagem cerebral e dali pra frente só vai ser bonzinho; ok, mas todo mundo é mau com ele porque ele não foi bonzinho antes. E agora, o que ele pode fazer?! Ser mau de novo e agredir todo mundo de volta, ou ser superior, permanecer bom?
    Mesmo sendo contra sua vontade, ele é bom, porque foi "ensinado" que o mal não pode ser praticado... Não é assim hoje? Todo mundo não se "força" a fazer a coisa certa, mesmo quando não quer, só porque a sociedade não vai aceitar o contrário?
    Então ele tá sendo bom, tá sendo correto, mesmo que instintivamente. Já estudei isso: Quando te baterem em uma face, dê a outra. Não é pra literalmente dar a cara a tapa, mas você aceitar aquilo sem revidar, mostrando que VOCÊ é bom.
    Acho super interessante, mas não sei se eu conseguiria praticar isso. Eu lembro que quando acontecia alguma coisa na escola, quando eu era pequena, minha mãe sempre me perguntava se eu tinha revidado ou falado com alguém pra "punir" o fulano... rs

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  2. Acredito que são inúmeras as influências que sofremos diariamente levando-nos a ter atitudes, comportamentos e ações que nos induzem a padrões sociais.Ou melhor dizendo agir com a maioria.
    Quando isso por qualquer motivo, bom ou ruim não acontece com alguém a "sociedade" tenta ou mesmo cria "mecanismos" para ajustar ou isolar, talvez até mesmo tirar definitivamente do seu convívio.

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  3. eu acho que faz sentido a análise, e a grande sacada é que mesmo que a pessoa se enquadre ou seja equadrada, ela ainda é livre para ser o que é no plano mental.

    a violência está totalmente inserida nessa sociedade perfeita utópica do filme, e talvez essa ideia de perfeição seja a maior violência contra os instintos e a limitação humana.

    o leite que bebe para ficar violento reforça a ideia de que é somente um filho desse sistema. revoltado talvez. com motivos provavelmente.

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  4. Existem pessoas que são 100% ruins, os psicopatas.
    Não tem cura pra psicopatia.

    Abs

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