Estou estudando Eça de Queirós em Literatura Portuguesa II e, nesta semana, lemos um conto muito interessante dele – apesar de ser meio machista. Eça, aliás, era crítico ferrenho das mulheres. Sei lá, eu já desisti de criticar só as mulheres ou só os homens. Critico o ser humano.
Enfim. Neste conto, que se chama “No moinho”, D. Maria da Piedade é uma mulher casada com um homem enfermo que, por causa de sua doença, não pode fazer nada; logo, sua esposa faz tudo para ele. Os filhos que tiveram também são doentes e Maria cuida de todos como uma enfermeira mesmo. Sua lúgubre casa mais parece um hospital. Ela não tem ambições na vida: “Toda a sua ambição era ver o seu pequeno mundo bem tratado e bem acarinhado. Nunca tivera desde casada uma curiosidade, um desejo, um capricho: nada a interessava na Terra senão as horas dos remédios e o sono dos seus doentes.”
Tudo ia bem, tranquilo e inerte na vida de D. Maria da Piedade, até que Adrião, um primo de João Coutinho (seu marido), chega à casa. Um escritor de romances bem conhecido em Lisboa, acaba roubando um beijo dela e fascina D. Maria por “aquela seriedade, aquele ar honesto e são, aquela robustez de vida, aquela voz tão grave e tão rica.” Pela primeira vez, então, ela vislumbra, “para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis.”
Você acha que a vida de D. Maria da Piedade era ruim? Nããão! Agora que vem a verdadeira desgraça!
De repente, ela se cansou da vida que levava e “refugiava-se então naquele amor como uma compensação deliciosa. Adrião tornara-se, na sua imaginação, um ser de proporções extraordinárias. Leu todos os seus livros. Estas leituras calmavam-na, davam-lhe como uma vaga satisfação ao desejo. Chorando as dores das heroínas de romance, parecia sentir alívio às suas.”
“Lentamente, esta necessidade de encher a imaginação desses lances de amor apoderou-se dela. Foi durante meses um devorar constante de romances. Ia-se assim criando no seu espírito um mundo artificial e idealizado. A realidade tornava-se odiosa. Vieram as primeiras revoltas. [...] Acreditava nos amantes que escalam os balcões, entre o canto dos rouxinóis: e queria ser amada assim.”
“O seu amor desprendeu-se, pouco a pouco, da imagem de Adrião e alargou-se, estendeu-se a um ser vago que era feito de tudo o que a encantara nos heróis de novela; era um ente meio príncipe meio facínora, que tinha, sobretudo, a força”
“A santa tornara-se Vênus.”
“E o romanticismo mórbido tinha penetrado tanto naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços – e foi o que sucedeu com o primeiro que namorou. Por causa dele [...] deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova – para andar atrás do homem, um maganão odioso e sebento, de cara balofa. Pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar a Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila ‘a Bola de Unto’.”
Bem, Eça já disse tudo, que mais posso eu dizer? Ok, ele faz parecer que o lugar de mulher é cuidando do marido e dos filhos, mas a parte que nos alerta para os males do romantismo é genial! Óbvio que a situação é dramatizada, caricaturada; no entanto, é um excelente ponto de partida para a reflexão: o que o romantismo faz conosco?
Vou deixar que vocês pensem e me respondam.
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